sexta-feira, dezembro 29, 2006

A LOTARIA DA DÍVIDA


Élio Maia, acaba de revelar um novo valor para o montante de dívida da Camara Municipal de Aveiro: 250 milhões de euros. Trata-se de um montante que ultrapassa os 225 milhões anteriormente adiantados. Informa Maria José Santana no Público (Centro) de hoje.
Começa a ser patética a novela da dívida. Há um ano que a coligação CDS/PEM/PSD, PEM/CDS/PSD, PSD/CDS/PEM, conforme os dias, anda às voltas com a dívida. O menino Jesus devia ter oferecido uma claculadora ao Presidente da Camara. Nem auditoria, nem IGF, nem nada. Esta questão da dívida é o verdadeiro símbolo da incapacidade de gestão da maioria. Nem para fazer contas serve.

BALANÇO DO ANO

Aborto: o tema em que todos os nãos serão sempre provisórios e só um sim será definitivo. As esquerdas, com o auxílio prestimoso e cúmplice de alegadas direitas, conseguiram impôr novo referendo, sem que ninguém dentro do sistema tenha tido a coragem de se opôr. Bem mais importante é defender a natalidade, mas aí ninguém faz nada. É mais difícil e não dá títulos nos jornais.
Aveiro: é um dos distritos com mais desemprego, mais insegurança e mais crise social do país. É dos que mais condições tem para sair da crise. Tem empresas, ainda, investidores, ainda e dinâmica. Falta-lhe estratégia e autarcas com capacidade de liderança.
Câmara Municipal de Aveiro: um ano depois de ter ganho as eleições a coligação CDS/PEM/PSD ainda não foi capaz de apurar a dívida municipal. Os problemas que existiam, agravaram-se. Élio Maia é uma sombra do eficaz Presidente de Junta que foi. A mais insignificante promessa eleitoral está por cumprir. Um desastre que lembra o desastre que foi a mesma coligação, sem PEM, no Governo de Durão Barroso e Santana Lopes.
Cavaco Silva: eleito à primeira volta entra na história como o primeiro Presidente da República, que chega a Belém sem o apoio do PS. Já se percebeu que isso não é problema para Sócrates. A dúvida é se o será para o PS sem Sócrates. Aguardamos a todo o momento que Augusto Santos Silva revele a fonte que lhe confidenciou que Cavaco Silva faria um golpe de Estado constitucional.
CDS de Aveiro: procura-se. Dão-se alvíssaras. Poucas.
Défice: agora é que vinha a calhar um Presidente que dissesse que “há mais vida para além do défice”. Todos falam dele, a começar pelos que o criaram, com Cavaco Silva à cabeça. Os que o causaram, os que o agravaram, os que o ignoraram, os que dele se alimentaram e ainda se alimentam no intervalo das brilhantes conferências, entrevistas e artigos que fazem contra ele. O mais estranho é que os responsáveis pela desgraça colectiva, pelo menos muitos deles, continuem a falar como se nenhuma responsabilidade tivessem no cartório. Até quando? Só até nos voltarmos a lembrar que não devem merecer mais a nossa confiança política.
Educação: estão contas por fazer com os irresponsáveis que neste ministério, ao longo de anos, decidiram programas, impuseram métodos de estudo, impuseram manuais, definiram regras de avaliação, que reduziram a autoridade nas Escolas e fomentaram a ignorância e a impreparação de gerações inteiras de jovens. É pena é que os sindicatos dos professores continuem na idade do PREC e se esqueçam que a melhor forma de prejudicar a imagem dos professores é manter o tipo de “luta” que vêm prosseguindo.
Empresas Municipais: continua a vergonha do esbanjamento, do clientelismo, da corrupção neste mundo oculto de despesa e desperdício. Em Lisboa criaram mais uma, em Aveiro não extinguiram nenhuma. A EMA, em Aveiro e a EPUL em Lisboa, são bem os paradigmas do emprego político, do despesismo e da inutilidade. E da impunidade também. Qualquer dia é preciso um processo do género “Empresa Municipal Dourada” para acabar com o regabofe.
Futebol: desceu aos fundos dos infernos. O que menos interessa é o jogo em si. Isto diz tudo sobre a degradação total a que chegou a indústria em Portugal. Um caso siciliano.Governo: sem desculpa para o que falhar. Tem a maioria em São Bento, não tem oposição, tem um amigo em Belém. E tem sobretudo muita distracção popular com o acessório. Se não for desta quando será?
Iberismo: a defesa do iberismo conheceu ao longo do ano grandes aliados. Ministros que defendem a união com Espanha, que já deviam ter sido redondamente demitidos, como Mário Lino, políticos ditos patriotas que para atacarem a classe política portuguesa elogiam os seus colegas espanhóis, como o deputado fantasma por Aveiro Paulo Portas, investimentos portugueses feitos e decididos em função da vontade dos nossos vizinhos (ver TGV). Mais um combate a travar.
Justiça: a surpresa do ano. O novo Procurador-Geral nomeou Maria José Morgado para coordenar o caso conhecido por “Apito Dourado”. O futuro dirá se o fez por entretém ou por convicção. Continuo convencido que se a vontade fosse mesmo combater a corrupção Maria José Morgado devia voltar ao lugar de onde foi forçada a demitir-se na Polícia Judiciária, por incomodar ministros do CDS e do PSD, em 2003. Mas seria muito bom para a saúde do país que tivesse sucesso na missão que lhe foi atribuída e que aceitou.
Livros: quando uma senhora que trabalhou dignamente numa casa de alterne consegue mandar escrever o livro do ano, o estado de saúde da sociedade portuguesa, sobretudo o da sua Justiça, está pelas ruas da amargura. Se os processos complicados só voltarem a andar à força de livro, 2007 promete, digo eu…
Maternidades: muitas fecharam e em nome de critérios económicos. Esperemos apenas que esta decisão não contribua, a prazo, para o congestionamento ainda maior do litoral e com ele para o aumento, ainda mais significativo, dos custos. Será que se isso acontecer o actual Ministro da saúde vai reconhecer o seu erro?
Nova Democracia: realizou o seu 3º Congresso e assumiu sem complexos e com total clareza, ser um partido da direita conservadora e liberal, patriótico, soberanista, popular. Defensor do presidencialismo, da taxa única nos impostos sobre o rendimento e do fim do rendimento mínimo para quem pode trabalhar, os conservadores liberais portugueses fecham o ano já com os olhos postos em 2009.
Ota: o negócio do século. Contra a opinião da esmagadora maioria dos cidadãos o aeroporto da Ota é uma prioridade do Governo. Não do país. Apesar de estudos em contrário, que testemunham estarmos perante uma péssima opção. Portugal continua assim entregue a pessoas, neste caso a políticos, para quem as dificuldades a enfrentar são coisa pouca perante os benefícios que alguns, no presente, podem receber. O défice tem sobrevivência assegurada no longo prazo. Curiosamente apesar desta “ousadia” decisória, ninguém nos informa quanto à titularidade dos terrenos em que o aeroporto será construído. Nem quanto à data da respectiva aquisição. Porque será?
Pescas: foi um mau ano para os pescadores portugueses. A par de preços dos combustíveis que afectaram a rentabilidade das nossas embarcações, surgiu ainda um ministro autista, aliado dos interesses exclusivos de quem importa, protector da vontade de Bruxelas. As pescas, sector onde já fomos fortes entre os fortes, atravessam uma grave crise e ela não resulta apenas das circunstâncias ou do acaso. Resulta da má vontade dos governos nacionais que, ano após ano, as abandonam e hipotecam.
Prós & Contras: o programa de Fátima Campos Ferreira foi desigual durante o ano, muitas vezes teve ministros a mais e informação a menos, mas por ele passaram dos debates políticos mais vivos e decisivos do ano, como foram por exemplo os que juntaram Manuel Maria Carrilho e Ricardo Costa e Fernando Ruas e António Costa. Um oásis na televisão estupidificante a que noutros horários nem a RTP consegue fugir. Já agora, que é feito dos debates parlamentares por onde outrora passava a conflitual idade política democrática do país?
Questão social: problema presente na sociedade portuguesa, fruto das assimetrias de desenvolvimento. Um destes dias teremos de procurar a classe média de lanterna na mão….
Referendo: em 11 de Fevereiro vamos a votos. Eu voto NÃO. Em nome da liberdade de nascer. E de viver. É particularmente chocante que num mundo onde a facilidade de acesso aos meios contraceptivos se democratizou a um ponto até há bem poucos anos inimaginável, se continue a admitir a destruição de vidas humanas como se de pequenos ratos se tratasse.
Ribau Esteves: do melhor que o actual PSD tem. Mas como no melhor pano cai a nódoa, perdeu as eleições para a Distrital do PSD e cedeu aos encantos das empresas municipais na Câmara Municipal de Ílhavo.
Sol: o novo semanário é um acto de arrojo. Concorrente directo do Expresso, mexeu com o mercado da comunicação social e foi talvez o jornal português com melhor arranque em termos de tiragens e leitores da história da imprensa portuguesa. Parabéns aos seus fundadores e aos seus investidores.
TGV: finalmente conhecemos o traçado da linha do TGV (abreviatura de Tara Governamental Variável). E finalmente percebemos que esse traçado era, por mera coincidência, o que mais convinha a Madrid. Nós pagamos, Espanha escolhe. Perceberam o que faz Mário Lino no Governo?
União Europeia: com o problema da possível adesão da Turquia nos braços, os órgãos da União continuam a ter mais e mais poderes. Em nome de quem? Apenas de quantos querem rebentar, e de vez, com o que resta da soberania nacional.
Violência: passou definitivamente da sociedade para as escolas. E os relatórios aí estão para o demonstrar. Conseguirá ou quererá a ministra da Educação impor um modelo de disciplina que salvaguarde a autoridade dos professores e não continue a degradá-la?
Xenofobia: aumenta, infelizmente, todos os dias. Porque em nome de um pseudo-idealismo continuamos a adoptar políticas que não entendem a realidade da vida. E dos homens concretos.
Zona Económica Exclusiva: será certamente sempre zona e económica, mas por vontade de Durão Barroso e seus colegas comissários deixará brevemente de ser exclusiva. Do pouco que resta de nosso, corre o risco de passar para as mãos da União Europeia. É isto admissível? Não, não é, mesmo que a maioria dos nossos deputados europeus assim o entendam. “Ah, mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal”…
PS A todos os leitores, investidores e profissionais do Diário de Aveiro desejo, apesar das nuvens no horizonte, um excelente Ano Novo.
(publicado no Diário de Aveiro)

sexta-feira, dezembro 22, 2006

BOAS FESTAS


Desejo a todos os leitores do Aveiro um santo Natal e um Ano Novo cheio de felicidade e Paz.

domingo, dezembro 17, 2006

ONTEM, EM SANTA MARIA DA FEIRA

"O líder da Nova Democracia, Manuel Monteiro, anunciou ontem que vai escrever uma carta ao Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, solicitando que se pronuncie sobre o dossier aeroporto da Ota. "Depois de tomar posse, o Presidente da República disse que tinha dúvidas quanto à Ota, atendendo ao volume do investimento. Como de um momento para o outro nunca mais abordou a matéria, ou se calou por entender que não deve contestar uma opinião do Governo, ou entretanto o Governo lhe fez chegar algum estudo demonstrando que as suas dúvidas não faziam sentido", afirmou Manuel Monteiro.

Em declarações à Agência Lusa, à margem do jantar de Natal da Nova Democracia em Santa Maria da Feira, disse ainda que vai enviar uma outra carta aos membros do Governo, incluindo o primeiro-ministro, José Sócrates, "para saber a quem pertencem os terrenos onde será construído o futuro aeroporto e quando é que foram adquiridos". A Nova Democracia vai, por outro lado, solicitar a criação de uma comissão parlamentar para investigar todo o processo tendo em vista a construção deste equipamento. "Não nos vamos calar em relação a esta matéria. Caso o poder político não nos dê uma resposta cabal, ponderamos a possibilidade de vir a solicitar ao Procurador-geral da República um inquérito sobre o novo aeroporto", disse Monteiro, exigindo "transparência ao nível dos negócios do Estado".

O líder do PND quer que o tema "Ota" volte a ser discutido na Assembleia da República e lembra a petição "com 4.500 assinaturas" que enviou, em 2005, a o hemiciclo. "Que interesses ocultos existem, levando os partidos políticos com assento no parlamento a estarem calados sobre esta matéria?", questionou. Manuel Monteiro reservou o dia de ontem ao norte do distrito de Aveiro. Almoçou com membros da sua direcção em S. João da Madeira, seguindo para o vizinho concelho de Santa Maria da Feira onde se realizou o primeiro Conselho Geral a pós o 3º Congresso da Nova Democracia. Este órgão, que aprovou o programa da direcção do partido, analisou ainda a situação política actual. À noite, participou no jantar de Natal, "já na sua terceira edição", que reuniu cerca de três centenas de pessoas."
Fonte: Lusa

sexta-feira, dezembro 15, 2006

NO FIO DA NAVALHA

Não há como ler um Orçamento para perceber a política real. Não a dos discursos, não a das promessas, não a das românticas intenções, mas a dura política da verdade. A Câmara Municipal de Aveiro não foge a esta regra implacável da política de governar.

A Câmara de Aveiro aprovou esta semana por maioria o orçamento municipal para 2007, que ascende a 190 milhões de euros, mais 40 milhões do que este ano.

O vereador responsável pelo pelouro financeiro, Pedro Ferreira, da coligação que lidera o executivo (CDS/PP-PSD), justificou o valor elevado do orçamento por incorporar várias dívidas contraídas durante a gestão socialista, nomeadamente às empresas SimRia, à Somague e à Etermar, cujos valores não eram reconhecidos pelo anterior executivo.

Os vereadores socialistas da autarquia de Aveiro votaram contra a proposta de orçamento e remeteram a sua posição para momento posterior.

"Percebo que digam que é um orçamento grande, mas claramente contém as dívidas que vamos apurando. Em relação à SimRia não fui eu que assinei o contrato, mas o anterior presidente da Câmara, e o serviço foi prestado, pelo que sei claramente que é dívida", explicou o vereador Pedro Ferreira. Outras justificações apontadas pelo vereador são a subida das taxas de juro, com encargos para a autarquia que estimou em mais quatro milhões de euros e a perspectiva de liquidação da sociedade Aveiro Polis.

Três obras já adjudicadas no âmbito do Polis - a reparação dos muros da antiga lota, a construção da ponte sobre a eclusa e o centro de interpretação ambiental - deverão ser assumidas pela Câmara, adiantou.

A pista de remo do Rio Novo do Príncipe, o porto de abrigo de São Jacinto e o cais de atracagem do "ferry-boat" são obras novas que o actual executivo pretende lançar em 2007.

Na proposta aprovada pela Câmara, o equilíbrio orçamental é conseguido pelo recurso a receitas extraordinárias resultantes da alienação de património, com a previsão de 80 milhões de euros na venda de terrenos em que se inclui o antigo estádio Mário Duarte, a zona do Plano de Pormenor do Centro (Cojo) e a envolvente ao novo estádio, em Taboeira.

Ao nível das receitas correntes, a novidade é a estimativa de 46,5 milhões de euros em rendas devidas pela concessão a privados de várias empresas municipais, nomeadamente a do Teatro Aveirense, a do Parque de Exposições, a empresa do estádio EMA, a empresa de transportes MoveAveiro e os Serviços Municipalizados, que actuam na água e saneamento.

Pedro Ferreira admitiu que a realização do orçamento vai depender da concretização das receitas extraordinárias, dado que no documento figuram 13 milhões de euros em obras já adjudicadas, que devido ao Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) têm de ter cabimento orçamental.

"Comprometemo-nos claramente a executar quatro milhões de euros (dessas obras adjudicadas)", assumiu Pedro Ferreira, adiantando que cada junta de freguesia já indicou as que considera serem prioritárias.

Esta descrição do Orçamento feita pelo seu responsável é exaustiva e permite tirar três conclusões políticas importantes.

A primeira é de que a Câmara Municipal continua sem estratégia credível para resolver ou começar a resolver o problema da dívida municipal. É de louvar a integração no Orçamento de dívida oculta, mas ao Executivo exige-se mais do que o rigor nas colunas do deve e do haver. Exige-se um caminho, uma alternativa, uma solução. Não tem. O próximo ano continuará a ser de navegação à vista, exactamente como tem sido o mandato em curso.

A segunda é a de que vão avançar obras sem financiamento garantido nem conhecido. Por outras palavras, isto não é nem mais nem menos do que a sobrevivência do método socialista de governar: faz-se primeiro, depois logo se vê e quem vier atrás que feche a porta.

A terceira é de que a Câmara parece já ter optado sem o assumir abertamente pela venda dos terrenos do Mário Duarte, inviabilizando assim a possibilidade de devolver aos aveirenses a palavra sobre o destino do Estádio Mário Duarte.

Tudo isto significa que o futuro do saneamento financeiro da autarquia fica dependente de receitas extraordinárias, que poderão ou não realizar-se. Falta o plano B, ou seja, a alternativa.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Pérolas Do Politicamente Correcto

O próximo referendo sobre o aborto desencadeou o habitual e infeliz desfile de lugares-comuns com que normalmente se procura disfarçar dificuldades políticas conjunturais, mas que são ideias perniciosas que é importante desmontar. Todas elas assentam num profundo temor do confronto de ideias e numa estéril preocupação com consensos pueris, falsos, artificiais e verdadeiramente estranhos à democracia.
Primeira pérola: a de que fica mal ao Presidente da República tomar posição pública sobre o seu sentido de voto no referendo. Eu defendo que Cavaco Silva devia informar os cidadãos sobre se vota sim ou se vota não no referendo. Não vejo em que é que isso diminuiria a função ou o titular. Pelo contrário, a falta de posição é que diminuirá a dimensão política do titular. E não se argumente com a ideia tão portuguesinha que o Presidente da República o é de todos os portugueses, que deve unir e não dividir e que tomar posição é dividi-los. Essa é uma visão meramente paroquial das instituições e da democracia.

O Primeiro-Ministro e os membros do Governo também o são de todos os portugueses e tomam posição e bem, independentemente de não tomarem posição igual à minha. É bom para o esclarecimento eleitoral e para a transparência da actividade política que se saiba o que os políticos, sobretudo os que exercem funções de maior responsabilidade, pensam dos assuntos que dizem respeito à comunidade. Não que devam sair à rua de megafone em punho fazendo campanha à porta do metropolitano ou nas feiras ou mercados.Mas até depois de Maria Cavaco Silva ter dito em entrevista concedida esta semana à Visão, que acha que a Lei está bem como está, menos se entenderia que Cavaco Silva não o fizesse.

Segunda pérola: a de que a pergunta é uma questão de consciência que não deve ser partidarizada. Este foi o argumento politicamente correcto que o PSD utilizou para não tomar posição. Não vejo por que razão os partidos políticos hão-de estar inibidos de tomar posição sobre o assunto. Têm obviamente a liberdade de não o fazer, mas também a de o fazer. Sem que com isso violem a consciência de quem quer que seja.Normalmente quando um partido usa este argumento é porque não quer assumir que existe uma profunda divisão interna sobre a matéria em causa. O que também não tem mal nenhum, mas há partidos assim, que têm medo de se ver ao espelho.

Terceira pérola: a de que os partidos devem dar liberdade de voto. Esta é normalmente consequência da pérola anterior. Lá veio o PSD comunicar com pompa mas muito pouca circunstância que dava liberdade de voto. Esta pérola já não é propriamente politicamente correcta mas apenas politicamente tola. Os partidos não podem dar uma coisa que o eleitor tem sempre, mesmo que os partidos não o dêem.Seria bom que num debate verdadeiramente civilizacional, que tem a ver com o essencial do nosso modo de ver a vida e a sociedade, ninguém utilizasse argumentinhos para se furtar à responsabilidade de uma posição. É que isso tem nome no dicionário e não é dos mais bonitos.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

sexta-feira, dezembro 01, 2006

O Caso Luísa Mesquita

Com aquela velocidade própria das agendas políticas e mediáticas do nosso tempo, o caso Luísa Mesquita passou rapidamente ao esquecimento. Pelo menos, até ser expulsa do partido, como já sucedeu a tantos antes de chegar a vez desta ortodoxa de ontem, ou até se decidir a sair, como se comprometeu perante o partido, o assunto não mais será falado.

Mas a natureza e o exercício do mandato parlamentar é dos assuntos que vale a pena debater, independentemente das conjunturas picantes, porque é um espelho da qualidade da democracia, diria mesmo, da essência da democracia.

E este é um caso feio, seja qual for o ângulo pelo qual seja analisado.

Pelo lado da deputada, revela falta de palavra, o que não é propriamente um bom cartão de apresentação para um titular de um órgão de soberania. Luísa Mesquita já teve certamente várias oportunidades de criticar José Sócrates por ter violado promessas de campanha eleitoral. Afinal, parece que o mal, não é exclusivo do líder do PS.

Alguém apontou uma pistola à candidata Luísa Mesquita para assinar a papeleta em branco? Alguém fez chantagem com ela? Alguém a coagiu ou obrigou? Que se saiba, não. Ele assinou de livre vontade, assumindo um compromisso. O mesmo compromisso que agora não quer honrar.
Uma pessoa que se candidata a deputada, aceitando colocar nas mãos do partido pelo qual se candidata a sorte do seu mandato, está a dizer ao eleitorado que não passa de um número numa lista de números. Ora, nas eleições é suposto elegermos pessoas e não números.

Pelo lado do Partido, a coisa é ainda mais feia, porque revela que o Partido Comunista continua fiel a si próprio e às ideias anti-democráticas que lhe definem o código genético.

No caso desta conhecida prática do Partido Comunista, mais valia dizer assim: à Assembleia da República candidata-se Sua Excelência o camarada Comité Central, desdobrado em 230 papéis químicos efectivos e mais uns quantos papéis químicos suplentes. Era mais sério. E sem dúvida mais autêntico, porque mais soviético.

O que não é certamente é democrático. Mas isso só atesta uma coerência, sempre foi assim (aliás, até era suposto nunca existir democracia parlamentar de tipo ocidental em Portugal, como garantiu Álvaro Cunha em entrevista a Oriana Fallaci em 1975) e uma força, a força do PC. Como os tempos levam em si os germens do esquecimento, devemos estar agradecidos ao Comité Central o favor de nos lembrar periodicamente a verdadeira natureza anti-democrática desta força de esquerda…

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)