sexta-feira, setembro 25, 2009

E, TODAVIA, HÁ UM PAÍS

No domingo os portugueses farão provavelmente mais um dos seus periódicos exercícios de masoquismo político. É difícil encontrar um lusitano recenseado que não diga mal do estado da Nação, que não desanque nos políticos e nos governantes, que não diga mal da vida e que não tenha um programa eleitoral prontinho a servir, ainda que não passe de uma colagem de ideias vazias. Mas, mesmo assim, os portugueses votam sistematicamente nos mesmos partidos.

É verdade que o sistema político está viciado. As leis que os partidos fazem protegem os partidos que as fazem e bloqueiam a renovação política do país. É verdade que o sistema mediático vicia a oferta eleitoral e nessa medida condiciona as opções dos eleitores. É verdade que somos portadores de uma atávica cultura de má língua nos cafés e nas paragens dos autocarros, que miraculosamente se transforma na mais conformista das atitudes no voto. Mas, ainda assim, e dada a dimensão da crise da República, seria de esperar um leve assomo de mudança. Não acontecerá.

Na campanha eleitoral que hoje termina, tal como infelizmente se esperava, debateu-se quase nada o país. Tratou-se de uma espécie de Benfica-Sporting sobre as escutas entre Belém e S. Bento que, de caminho, triturou o PSD. O melhor que podia ter acontecido a José Sócrates, depois da crise internacional que serviu às mil maravilhas para disfarçar a crise portuguesa, foi este episódio mal cheiroso, a que Cavaco Silva deu uma contribuição inestimável ao líder do PS.

E, todavia, no dia 28 de Setembro, Portugal continuará. Acordaremos com as lamúrias de sempre, com os problemas de sempre, e com a auto-desresponsabilização de sempre, apenas um dia depois de termos votado exactamente nos mesmos a que atribuímos a responsabilidade dos males nacionais.

Eu, pelo menos, reservo-me a saudável atitude de excluir a minha cumplicidade com a mediocridade dominante. Votarei no Partido da Nova Democracia. Garanto-vos: sabe bem e não morrerá ninguém. Acresce que, no caso concreto do círculo eleitoral de Aveiro, conheço bem Edgar Jorge, o cabeça de lista, e também vos garanto: fará, se for eleito deputado, muito melhor que a maioria dos que lá estão e dos que se candidatam. E acresce uma qualidade não desprezível: é uma pessoa séria, o que não sendo propriamente uma virtude em que o sistema seja particularmente exigente, é uma garantia para quem confia a gestão do interesse público a um representante.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

sexta-feira, setembro 11, 2009

A ELEIÇÃO PERVERSA

As eleições legislativas de 27 de Setembro servem para eleger 230 deputados à Assembleia da República. Mas se perguntarmos a qualquer cidadão na rua para que vai votar nesse dia, com toda a certeza que a resposta mais frequente que ouvirá é que o cidadão vai eleger o Primeiro-Ministro. A isto conduziu a fulanização da política e das eleições. Interessa mais o estilo do que as ideias, o aspecto do que a substância, as palavras do que os programas.

Poucos saberão os nomes daqueles cuja vida vai mudar se forem eleitos deputados. Mas todos discutem se Sócrates é melhor que Ferreira Leite ou vice-versa. Por outras palavras: os cidadãos aprestam-se para votar numa eleição que não existe na lei, a de Primeiro-Ministro e não votar na eleição efectivamente prevista na lei, a dos deputados, cujos nomes nem se dão ao trabalho de ler à porta das assembleias de voto, mais que não seja, uns minutinhos antes de entrar na cabina de voto.

Esta disfunção mostra bem a desadequação do sistema político português. Ela gera um vazio de representação política parlamentar. Ninguém se pode sentir representado por quem nem sequer conhece. Ninguém se pode sentir representado por quem não pode responsabilizar pelos seus actos. Na verdade, os eleitores que conscientemente votam em deputados, nem sequer estão a escolher. Estão a escolher entre escolhidos. É a ilusão da democracia representativa.

Existem duas reformas essenciais a fazer no sistema eleitoral.

A primeira é permitir as candidaturas de independentes à Assembleia da República. O campeonato partidário está esgotado, viciado à partida. Precisa de um grande susto. E a democracia precisa de respiração. O monopólio partidário nas eleições legislativas está a corroer a democracia por dentro, porque contribui para o distanciamento dos cidadãos da instituição parlamentar, e contribui para o descrédito do próprio sistema.

A segunda é a da criação de círculos uninominais, para que toda a gente tenha efectiva capacidade de decisão eleitoral e saiba quem é o seu deputado. Evidentemente que os partidos têm medo disto, porque o poder das direcções escolherem os seus fiéis para as listas fica comprometido. Mas, não tenhamos dúvidas, estas duas medidas provocariam um novo entusiasmo cívico e político na sociedade portuguesa e dotaria o sistema político de mais saúde e transparência.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

sexta-feira, setembro 04, 2009

A EUROPA ESTÁ A MEXER


Entretidos que vamos com as arribas das praias, com o “Exterminador” da Luz e com o desfile de estilos pessoais em que está transformada a pré-campanha para as eleições legislativas e para Primeiro-Ministro de Portugal, nem sequer reparamos que a Europa está a mexer. Não, não me refiro nem às próximas eleições alemãs, em que se joga a sorte de Ângela Merkel, nem ao próximo filme de Carla Bruni, agora surpreendentemente assunto de Estado em França.

Refiro-me à Europa profunda, à Europa de sempre, dos seus conflitos, das suas contradições, das suas memórias ainda por sarar, dos interesses seculares das suas potências, agora em exibição mais nos palcos mediáticos do que nos campos de batalha de outrora.

Esta semana comemoraram-se 70 anos da invasão da Polónia pela Alemanha e do consequente começo da II Guerra Mundial. Parada de estrelas modernas em Danzig, hoje a Gdansk da viragem do Solidariedade dos anos oitenta que começou a minar a ditadura comunista polaca de Jaruzelski, que sucedeu aos acordos de Ialta, de partilha dos territórios europeus pelos vencedores da guerra.

Putin, o preclaro líder russo, pediu desculpa ao mundo pelo pacto germano-soviético de 1939 e anunciou, qual benfeitor, a abertura dos arquivos russos sobre o massacre de Katyn, em que a polícia secreta soviética procedeu a metódica matança de 22 mil oficiais polacos, desde que a Polónia faça o mesmo.

Todas as potências europeias adoptam hoje uma semântica de paz e concórdia baseada na memória da guerra. Mas as tensões de fundo não desapareceram. A Polónia por exemplo desconfia eternamente da Alemanha e da Rússia, disso se ressentindo a União Europeia e a revisão periódica dos seus tratados.

Curiosamente, entretanto, na Rússia de hoje, em que as paradas militares regressaram á Praça Vermelha, Leonid Zhura, advogado de Ievgeni Dzhugashvili, neto de José Estaline, está em tribunal a pedir uma indemnização de 209.000,00 ao jornal Novaya Gazeta, por este ter escrito que o dito Estaline ordenou a matança de civis na então União Soviética. Diz o homenzinho que é necessário reabilitar a memória do sanguinário ditador soviético, que os russos, aliás, continuam a ver mais como líder eficaz do que como aquilo que efectivamente foi.

Como se vê, longe da arribas da costa algarvia e do litoral alentejano, e das eleições de Setembro, a Europa mexe. A Europa mexe sempre, mesmo quando transitoriamente adormecida.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)