sexta-feira, novembro 24, 2006

TLEBS

Sim, eu sei, só o nome assusta. Alguém no Ministério da Educação teve a peregrina ideia de alterar o ensino das funções da linguagem, esquecendo que antes de alguém poder manipular a linguagem precisa de saber falar, escrever e entender a língua com que se expressa.

Um monstrinho chamado Terminologia Linguística para os Ensino Básico e Secundário concebido nas catacumbas burocráticas daquele ameaçador Ministério, ameaça a sanidade mental de alunos, professores e famílias. Quem lida com jovens estudantes do ensino superior e com a sua deficientíssima preparação para lidar com a língua portuguesa só pode temer o pior desta TLEBS.

Parece que existe alguém que quer mesmo impedir que nos entendamos uns com os outros, baralhando a nossa comunicação.

Porque convém ter memória, é oportuno recordar que esta coisa nasceu na Portaria 1488/2004, da ministra Maria do Carmo Seabra (lembram-se?, pois não), desse maravilhoso e inesquecível último Governo PSD/CDS. É, pois justo, desde logo, não levar este monstrinho ao passivo da actual ministra da Educação.

Esta é mais uma herança do pesadelo em que esse Governo de má memória transformou a vida do país.

O que faz o TLEBS? Basicamente muda os nomes às coisas, essa vertigem ancestral dos reformadores públicos portugueses para dar a sensação de que algo mexe e para justificarem umas senhas de presenças e umas ajudas de custo. Passaremos a ter catáforas, designadores rígidos ou anafóricos, complementos preposicionais e outras benfeitorias tecno-linguísticas. Alguém se uniu para nos tramar, como diz o cantor.

Depois de ter sido testada por 90 professores de 17 escolas do país no ano lectivo 2005/2006, o monstrinho está a ser aplicado de uma forma generalizada nos 3º, 5º e 7º ano de escolaridade no ano lectivo em curso, apesar de muitas escolas, dotadas de muito mais bom senso do que o Ministério, não o estarem a aplicar, por graça divina. A ideia inicial era generalizar a coisa até 2008/2009.

Esta teria sido uma boa causa para suscitar a mobilização dos sindicatos de professores, para se fazerem manifestações à porta do Ministério e para os estudantes se desfilarem em protesto contra o absurdo. Como sabemos, os problemas verdadeiros do ensino não motivam muito os sindicatos, que apenas se interessam por política de carreiras e dinheiro.

Assim, teve de ser a sociedade a reagir e a exigir o congelamento do monstrinho. É a minha humilde voz que hoje junto ao clamor geral no sentido de utilizar uma gaveta qualquer do Ministério para guardar esta preciosidade.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

1 comentário:

Anónimo disse...

Parece-me demasiado modesto o subtítulo deste blogue, que diz ser só de Aveiro e sobre Aveiro. A razão é que levanta uma questão de dimensão não só nacional mas do âmbito lusófono, portanto além-fronteiras. É preocupante este TLEBS, que me passaria despercebido, como à maior parte dos cidadões, não fosse esta lufada de ar fresco que se chama INIMIGO PÚBLICO e que não deixa passar muita coisa em branco. Embora a portaria seminal tenha sido publicado pelo anterior governo, preocupa-me o facto de não ter encontrado nada que me prove que o actual governo, cuja ministra da educação tem demonstrado uma lucidez invulgar em diversas questões, tem a intenção de repudiar tal projecto. Pense-se só no dispêndio de recursos para criar mais instabilidade num ensino já precário do português quando os esforços deveriam ser canalizados para pôr as pessoas - ou, melhor, os portugueses, porque qualquer dia os europeus de leste falam português melhor do que nós - a falar e a escrever um português quotidiano inteligível. Gostava de poder concordar com a atribuição da culpa por tão lamentável projecto ao anterior governo. Não me parece, no entanto, justo fazê-lo, uma vez que considero uma pura casualidade a portaria de má memória ter sido publicada na vigência daquele governo. A verdadeira autoria deve ser atribuída aos/às burocratas apolíticos/as do Ministério da Educação que teimam não só em exprimir-se numa linguagem indecifrável como em corromper a língua, cujo valor inestimável é lugar-comum enaltecer mas cuja defesa poucos assumem energicamente.
Como diz o artigo, lutar contra este TLEBS seria, sim, uma causa justa da militância.