sábado, janeiro 10, 2009

FESTA DA BOA

O bairro típico da Beira Mar, em Aveiro, está a festejar o São Gonçalinho, festa tradicional em que se atiram do alto da capela cavacas doces, mas duras, cumprindo promessas, que são disputadas pelo povo. A Beira-Mar conhece até segunda-feira os dias de maior animação ao longo do ano, numa romaria única no género, que atrai multidões à Capela de São Gonçalinho, mais pelo pecado da gula do que pela fama do Santo. É um ritual secular que, segundo o juiz da Mordomia, João Pereira, está relacionado com o pão duro que entregavam a São Gonçalo para ele distribuir pelos pobres. “As pessoas vêm cumprir promessas ao Santo pelos mais variados motivos, como por curas que lhe são atribuídas em questões de saúde, como problemas ósseos” explica. A “dança dos mancos”, um ritual profano que é feito “em segredo” no interior da capela, consiste precisamente numa coreografia em que os mordonos “fingem” deformações nas pernas e nos braços, cuja origem se perde nos tempos. João Pereira sempre conheceu a prática, até porque já o seu pai participou na “dança dos mancos” ao longo dos anos, quase sempre com o templo fechado, mas anos houve em que foi “às claras”, sem que os dignitários locais da Igreja Católica se opusessem, ainda que também não dessem a sua aprovação.

O Santo, em Aveiro, concorre também com Santo António na fama de casamenteiro, mas com a particularidade de, no Bairro da Beira Mar, ser “especialista em arranjar companhia a viúvas e solteironas”. “É um santo rapioqueiro e brincalhão e daí que nós todos aqui na Beira Mar o tratemos pelo nosso menino”,afirma carinhosamente. No tempo da guerra do ultramar, havia também quem encomendasse a São Gonçalinho o regresso são e salvo dos seus filhos, como recorda Nelson Gomes da Costa, da pastelaria Rossio, situada na Beira Mar. Há 30 anos pasteleiro no negócio da família, recorda-se de ainda criança ver o pai e os tios a aviar sacos de cavacas de um metro e oitenta e até mais, porque as mães prometiam um saco da altura dos filhos, para lançar na Capela e ainda hoje há quem prometa o seu peso em cavacas, se o Santo o atender no pedido.

Pelas encomendas, Nelson Costa está convicto de que a devoção está a aumentar outra vez nos últimos anos, o que também lhe reforça a fé no São Gonçalinho, a quem promete anualmente lançar dez quilos de cavacas, para o negócio prosperar. O lançamento das cavacas, ansiado pela multidão, obedece a uma série de ritos, que começam logo no acesso ao telhado da Capela. Um mordomo autoriza a subida e ordena a descida dos grupos de crentes, já que a escada é estreita e não permite que duas pessoas se cruzem, e lá em cima o espaço é reduzido. Vencidas a série de degraus, acartando os sacos de cavacas, é tocado o sino e cumpre-se depois a promessa atirando as cavacas para o largo, dando a volta ao telhado da Capela, enquanto em baixo os doces são disputados com guarda-chuvas virados ao contrário, sacos de rede presos a varas e todo o tipo de instrumentos que vierem à imaginação. Poucos arriscam a “enganar o Santo” e deixar a promessa por cumprir, ou a cumpri-la mal porque São Gonçalinho tem também fama de vingativo e são muitas as histórias que se contam de cavacas duras que acertaram em cheio em alguém que não agradou ao Santo.

Fonte: Lusa

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