sexta-feira, dezembro 07, 2007

NO PAÍS DA QUADRILHICE

Portugal deve ser o país do mundo onde mais se investiga. Todos os dias a comunicação social nos informa de que uma multiplicidade de entidades públicas se dedicam ao meritório esforço de investigar. Investigam-se empresas, cidadãos, negócios. Um sortido de polícias, instituições, reguladores, fiscais, dedicam-se a saber da vida alheia no sentido de zelar pelo cumprimento da legalidade, aliás, neste momento uma espécie de ciência oculta quase indecifrável para os técnicos do Direito, quanto mais para o cidadão comum, dada a profusão de leis, rectificações, correcções, versões com que o Estado brinca aos legisladores.

Exemplos não faltam todos os dias. Sobreiros, submarinos, financiamento de partidos, jogadas na bolsa de valores, furacões, apitos de cores várias, bancos, restaurantes, feiras, negócios, autarquias, gangs, máfias, mafiazinhas e mafiazonas, terroristas, bombistas nocturnos, carjackers, os próprios polícias, tudo em Portugal é passado a pente fino. Para o ano, também os fumadores.

Mas os investigadores são imparáveis. Querem sempre investigar mais. Por isso, até os serviços de informações querem agora poder fazer escutas por causa do terrorismo (dizem eles, embora eu não esteja muito convencido que o Alqaedistão passe por aqui). Os investigadores transformam-se perversamente em glutões investigatórios. A investigação é uma espiral patológica de necessidades.

Ora, com isto, gasta a República incontáveis milhões, que saiem de onde, adivinhem os leitores?... Pois claro, do orçamento do Estado! E o dinheirinho do orçamento, vem de onde, adivinhem os leitores? Pois claro, do nosso bolso. A Nação trabalha afanosamente na ilusão de que está a contribuir para o cumprimento da lei, pagando as logísticas e os ordenados de um exército de investigadores. São cidadãos, como todos os outros, a quem pagam para vasculhar a vida alheia. E que precisam de computadores, de papel, de canetas, de ar condicionado, de casas com telhado, de gabinetes, de carros, de colegas, de testemunhas.

Aqui chegados, cumpre perguntar: e então os resultados? Sim, os resultados? De tanta energia deve haver algum resultado concreto. Pois. O problema é que o Estado não tem capacidade para atingir os resultados. Os milhares de coimas por pagar, os milhares de processos instruídos pela ASAE a que o Ministério Público não consegue dar resposta, as milhares de impugnações judiciais a que os Tribunais reservam as gavetas da Sra. D. Morosidade Judicial de Portugal (por favor, não vão à lista telefónica, que a morada e o respectivo número são pagos pelo Estado e, naturalmente, confidenciais).

Resta então o quê? A quadrilhice. Desde logo a quadrilhice jornalística, comercialmente bombástica, mas na prática inconsequente. Depois, a quadrilhice do boca-a-boca, a boataria, um desporto popular gratuito que é de borla e ajuda a passar o tempo.

Resultados é que não há. Chama-se a este fenómeno impunidade e a impunidade é o vírus da legalidade. É assim que vivemos e nada me garante que não é assim que como povo sábio seja assim que nos sentamos e nos sentimos felizes para sempre. Nunca nenhuma lei proibiu os chico-espertos. É por isso que os encontramos nas estradas, nas repartições, nas lojas e até como deputados. Abençoado país.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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