sexta-feira, abril 06, 2007

BRINCAR COM O POVO


(FPR)

A construção da pista de remo de Rio Novo do Príncipe é um mostruário de como se pode brincar com o povo, brincar com a política nobre, no sentido de servir o bem público. Sucessivas gerações de políticos do PS, do PSD e do CDS andaram a fazer promessas e cenas públicas, sem consistência nem credibilidade. Assim uma espécie de circo para os jornalistas andarem entretidos.

Aveiro é o sítio onde deve existir um centro náutico de excelência. Ninguém de bom senso se atreve a discuti-lo. O Rio Novo do Príncipe tem condições naturais únicas para o efeito. Aveiro tem a tradição, tem os atletas, tem os clubes, tem os campeões. Só não tem, pelos vistos, dinheiro.

Desde 1999 que vários políticos andam a brincar com coisas sérias.

Vem um Governo socialista e faz um protocolo com um autarca socialista de Aveiro a prometer a pista em Aveiro. Vem o Governo socialista seguinte e dá dinheiro a outro autarca socialista de Montemor para construir um tanque para fazer uma pista de remo a 50 quilómetros de distância do local onde o protocolo previa.

Nesse local não há atletas, não há clubes, não há tradição, só há mato, só há lobby e, pelos vistos, dinheiro. Gasta-se um milhão e meio de contos de dinheiro público, com ajuda do Estado, do mesmo Estado que tinha prometido noutro sítio, a fazer uma pista artificial no meio do mato, onde ainda hoje não há bancadas, balneário, sítio para pôr os barcos, onde os atletas se equipam nas traseiras dos carros e quem quiser assistir a uma corridinha traz um banquinho lá de casa.

Vem um Governo PSD-CDS, que sabe obviamente do que aconteceu já em Montemor, sabe que já lá se enterrou um milhão e meio de contos, no meio do mato, e faz outro protocolo, um novo protocolo, um segundo protocolo, com o mesmo autarca socialista que assinou o anterior e que foi passado para trás pelo seu próprio partido. Este protocolo diz exactamente o mesmo que dizia o anterior. Será em Aveiro a pista. Não foi.

Entretanto, os socialistas saem da Câmara e voltam ao Governo. O PSD e o CDS saiem do Governo e chegam à Câmara e querem cobrar a promessa. Os novos socialistas do Governo recusam dar um cêntimo para a pista de Rio Novo do Príncipe, argumentando que estando já um milhão e meio enterrado nas matas de Montemor não faz sentido gastar em Aveiro, onde por sinal não é preciso o tanque que se fez em Montemor, mas apenas infra-estruturas.

O protocolismo é a doença infantil da política barata para encher o olho dos cidadãos e uma sala com a comunicação social.

O PSD e o CDS da Câmara de Aveiro, que nem com calculadora de supermercado conseguem apurar quanto deve a Câmara, a não ser que é muito, decidem lançar o concurso para a obra. Por junto têm prometido um financiamento de cerca de 45% do custo da primeira fase do projecto, de uma empresa.

Os autarcas actuais, sentindo que precisam urgentemente de mostrar qualquer coisa aos eleitores, julgam então que será possível fintar a obstinação do secretário de Estado do Desporto, entrando pelo ministério do Ambiente, considerando a valência ambiental do projecto. Azar dos Távoras: muda a lei do desporto e agora qualquer equipamento desportivo, entre pelo guichet governamental que entrar carece de parecer prévio positivo da Secretaria de Estado do Desporto. Que não será dado.

Conclusão: o concurso foi lançado sem saber quem paga e onde está o dinheiro para pagar. À portuguesa. Através da técnica do facto consumado. A obra faz-se, quem paga logo se vê, o último a sair que apague a luz e feche a porta. Todos sabemos onde isto vai dar.

Queremos acreditar que as coisas não sejam assim. Queremos acreditar que Élio Maia terá financiamento assegurado para a obra. Do Estado não será certamente. Queremos acreditar que já não é possível continuar a brincar com o povo, num carrossel de protocolos inconsequentes para encher o olho e não fazer nada.

No meio disto tudo é Aveiro que perde, que fica para trás, com a complacência alegre do famoso lobby de Aveiro que todos têm prometido e ninguém tem conseguido fazer.

Uma tristeza.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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