O antigo ministro das Obras Públicas Jorge Coelho, que tutelava a pasta no momento da tragédia de Entre-os-Rios, afirmou esta semana que considera que «a culpa vai morrer solteira» no caso da queda da ponte que custou a vida a 59 pessoas.
Segundo Jorge Coelho, ao demitir-se do Governo a 5 de Março de 2001, horas depois do acidente, pretendeu dar «o exemplo» da assunção de responsabilidades políticas no caso da queda da ponte. Mas esperava que o processo judicial tivesse outro desfecho. «Não é possível que 59 pessoas tenham morrido a atravessar um equipamento cuja manutenção é da responsabilidade do Estado e, feita a investigação, ninguém seja responsabilizado. Se a desresponsabilização se torna uma normalidade no nosso país, então tudo pode acontecer», sublinhou o ex-ministro.
O socialista reconheceu ainda que existem problemas de eficiência e que “é o modelo de funcionamento do Estado que, apesar do esforço da equipa mobilizada pela Procuradoria-Geral da República para a investigação, apesar do esforço dos juízes para o apuramento da verdade dos factos, possibilita que estas coisas aconteçam. O que está em causa é o funcionamento do Estado e a confiança que os cidadãos podem ter no seu Estado».
Jorge Coelho falava no dia em que o Ministério Público decidiu recorrer do acórdão do Tribunal de Castelo de Paiva que, na passada sexta-feira, absolveu os seis engenheiros acusados de crimes de violação de regras técnicas. A apresentação do recurso deverá ser feita até 9 de Novembro. O processo crime não está, pois, encerrado e sobre ele não vou, obviamente, pronunciar-me. Sobre as declarações do ex-ministro socialista, apenas as julgo precipitadas (alguma razão existirá para ter tido a necessidade de as fazer…), e lhe apresento uma sugestão: que elas sejam o discurso que certamente não deixará de fazer no próximo Congresso do PS. Cara a cara com o Primeiro-Ministro. Uma excelente oportunidade para entusiasmar o seu Partido e o Primeiro-Ministro para a necessidade de preparar o matrimónio da culpa com os decisores políticos que têm a obrigação de fazer e não fazem ou de não deixar fazer e o permitem.
É tradicional e fica sempre bem o discurso público da culpa solteira em Portugal. É recorrente. Mas convém lembrar que esse discurso não passa muitas vezes de retórica para impressionar plateias. Era Jorge Coelho ministro da Administração Interna e também anunciou ao país que o caso da Universidade Moderna ia até ao fim “doesse a quem doesse”. Sabe-se hoje como doeu só para alguns. E, aí, não me recordo de ver Jorge Coelho teorizar sobre o estado civil da culpa nem exigir responsabilidades.
A verdade é que a culpa, além de solteirona incorrigível, revela também ter uma vocação muito selectiva.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
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