Ingrid Betancourt Pulecio nasceu em Bogotá, na Colômbia, no dia de Natal de 1961, é casada e tem dois filhos. Em 2001 decidiu candidatar-se à Presidência da República do seu país e foi raptada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia em 2002. As FARC são uma organização classificada pela União Europeia como terrorista. As FARC financiam-se através de extorsão, roubo, tráfico de droga e tem sequestradas mais de 3.000 pessoas, entre as quais a candidata à Presidência da Colômbia. Entre outras actividades, realizam atentados de que resulta a morte de muitos civis. São amigos do Partido Comunista Português, que decidiu convidá-las para a Festa do Avante, na Quinta da Atalaia, por intermédio da revista Resistência, seu órgão oficial.
Primeira nota: o PCP diz que não convidou as FARC, mas apenas o órgão oficial das FARC. O argumento é ridículo e hipócrita. Convidar o Avante é convidar o PCP, de que é órgão oficial e cujos directores são membros do partido. Mais, foram as FARC e não a revista que decidiram publicar um comunicado a responder aos protestos que em Portugal se geraram com tão funesta parceria.
Segunda nota: muitos julgavam que o PCP tinha mudado. Perante a evidência democrática, depois da derrota da previsão feita por Álvaro Cunhal a Oriana Fallaci, de que nunca haveria democracia burguesa em Portugal, com eleições, pluralismo e liberdade, só maçadas, e depois do desmoronamento do totalitarismo soviético, o PCP ter-se-ia convertido aos mínimos civilizacionais. Falso. Adoptou a máscara da necessidade, para sobreviver. Mas não mudou a essência. Cá para dentro faz voz mansa. Lá para fora, faz daquilo que sempre foi: um partido com uma concepção totalitária do poder, que anda rodeado das piores companhias.
A Festa estava montada. Desta vez havia Very Important People e tudo para assegurar directos e abrilhantar a Festa. Com um bocado de sorte, Jerónimo de Sousa apareceria nas capas da Caras, da Lux e da VIP, com Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Filipe Vieira e Luís Filipe Meneses. Afinal, os comunistas também gostam do social e acham que da mesma maneira que há uns anos foi chique em Cascais votar em José Luís Judas, a simpatia do seu actual líder fará esquecer o passado e porá o PCP na moda. O que não estava no programa era que alguém estivesse de atalaia e denunciasse esta relação política inaceitável entre os comunistas e as FARC.
Mas a verdade é que a Festa ia ter uma visita que não estava no programa: era a visita surpresa. Ninguém esperava que Ingrid Betancourt Pulecio, raptada há quatro anos pelas FARC e de que ninguém sabe onde e como está, visitasse inopinadamente a Festa do Avante. Em espírito, claro. Por denúncia e exclusiva responsabilidade de vários blogues gerou-se uma onda de indignação pela presença desta organização terrorista em Portugal.
Terceira nota: atacar as FARC não é defender Uribe, da mesma maneira que atacar Bin Laden não é defender o poder saudita. Não colhe por isso o argumento de contra-propaganda que os comunistas, apanhados de surpresa, na sua antiga especialidade (a intoxicação propagandística) se apressaram a esgrimir.
Quarta nota: a comunicação social está longe da perfeição. Todos o sabemos. Mas mais uma vez se revelou a duplicidade de critérios editoriais, que é preciso denunciar. Imaginem que um partido de extrema-direita português convidava um jornal ou uma organização nazi europeia para vir a uma festa em Portugal. Nem quero imaginar. O Bloco desfilaria. O SOS Racismo espernearia, os jornais escreveriam editoriais, as televisões fariam debates sobre o avanço do extremismo na Europa, alguém no Parlamento chamaria António Costa e José Sócrates a dar explicações.
Ainda recentemente assistimos à onda de justa indignação que perpassou pela opinião pública quando Gunther Grass admitiu, sessenta anos depois, ter pertencido às SS, num momento em que estava para sair o seu livro autobiográfico que, entretanto, já vendeu milhares. Alguém se enerva com o passado saneador, anti-democrático e de cumplicidade com os regimes totalitários soviético ou cubano, de Saramago?
Com as FARC, nada. Ninguém sabe, nem ninguém até agora explicou como foi possível esses terroristas entrarem em Portugal, se foram ou não vigiadas as suas actividades pelas forças de segurança, da mesma forma que a GNR vigia os militantes do PNR que andam a distribuir panfletos nas escolas. O Governo assobia para o lado, para a comunicação social, salvo honrosas excepções, o assunto nem existiu e todos aguardamos o próximo escândalo que for agendado pelo jornalismo de referência. E esta, é a última (talvez devesse ser a primeira) nota. A indiferença er o silêncio do país institucional que envia tropa para a Bósnia, para o Afeganistão, para o Líbano, mas que nem se incomoda quando o terrorismo nos visita.
Marcelo Rebelo de Sousa voltará para o ano à Festa do Avante?
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)
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