sexta-feira, maio 05, 2006

Marcha Atrás

Aveiro está parada. Esmagada pelo peso do desvario financeiro do passado, sem liderança política visível, sem projectos para o futuro.

A Câmara de Aveiro tem um passivo (180 milhões de euros) superior às congéneres de Coimbra (75,3), Viseu (30 milhões) e Guarda (41 milhões) juntos.

Depois de tudo o que se tem dito sobre o endividamento da autarquia ficámos a saber esta semana esta coisa extraordinária: com o PSD e o CDS na Câmara, o passivo, em vez de diminuir, aumentou! É obra. Tanto discurso, tanta preocupação, tanto chiqueiro por causa da herança de Alberto Souto e, afinal de contas, o problema agravou-se em vez de se atenuar.

Tendo estado afastado da Câmara durante oito anos, o CDS não soube resistir a ser igual aos outros: gastador e clientelista. Já o PSD, que prova pela primeira vez o sabor do poder em Aveiro, deslumbrou-se e fez como faz no Governo quando por lá passa: gastador e clientelista. Todos diferentes, todos iguais. Élio Maia que se aguente. Se é que (se) aguenta.

Do ponto de vista político, começa agora a perceber-se que Aveiro não conta. Não conta no Governo, é ver a pista de remo de Rio Novo do Príncipe, não conta no turismo, é ver o plano estratégico nacional do turismo que ignora a ria de Aveiro, não conta na região, claramente liderada por Ribau Esteves dado o vazio político circundante. Afonso Candal, um deputado socialista competente, queixou-se até que Aveiro não move influências para ter o tal peso político em Lisboa, esquecendo-se momentaneamente que é deputado por Aveiro há um ror de anos… seria uma auto-crítica, sabendo-se até que o PS já teve tudo (maioria no parlamento, Governo e Câmara Municipal) nas mãos para resolver esse problema?

Ora, quando as coisas estão paradas isso significa que, como a vida não pára, faz-se marcha-atrás.

Vale, no meio deste panorama desolador, o sentido estratégico da Câmara Municipal, que assinou um protocolo com uma empresa privada para promover investimentos em Aveiro. Não interessa o nome da empresa, interessa o acto em si. E o acto em si é muito feio, isto para ficarmos pelos mínimos.

Uma empresa visa o lucro e bem. Para buracos financeiros já bastam os que existem. Logo, qualquer empresa terá forçosamente que obter contrapartidas pelo seu trabalho. Quais são essas contrapartidas neste caso? Ninguém sabe, ninguém explica.

Pior: o líder dessa empresa, legitimamente, aliás, foi um apoiante da coligação PSD/CDS e ajudou no programa do independente Élio Maia. Lá por ter uma empresa, isso não significa que não possa ter intervenção cívica e política.

O que é estranho é que para angariar investimentos, a Câmara não tenha consultado o mercado (eu sei, os cadernos de encargos dão trabalho a fazer e nem sempre se acerta à primeira…) e tenha feito um protocolo logo com a empresa cujo líder apoiou a coligação. Lá se dizia em Roma sobre a célebre mulher de César que não bastava ser séria, era preciso também parecer séria.

Ora, este negócio, perdão, este protocolo, não parece sério. Dá a sensação que vale tudo, até retribuir apoios eleitorais com protocolos. Já sabíamos que a Câmara estava sem dinheiro. Agora sabemos também que está sem transparência.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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