sexta-feira, julho 07, 2006

Remar Em Seco

Ninguém no seu perfeito juízo pode ser contra a construção da pista de remo de Rio Novo do Príncipe. É um projecto que integra várias dimensões de desenvolvimento, económico, ambiental, desportivo. De qualquer dos pontos de vista, são óbvias as vantagens. A questão não é essa. Se eu pensar na hipótese de comprar uma casa na Quinta do Lago, confesso ao leitor que igualmente só vejo vantagens. A questão é que não tendo dinheiro para o fazer, restar-me-ia o endividamento. Agora imagine, pior ainda, que eu comprava a casa sem sequer saber se algum banco sequer me concederia o empréstimo… No mínimo considerar-me-iam leviano e irresponsável, para ser meigo. Correria o risco de interdição por prodigalidade.

A Câmara Municipal de Aveiro, que, recorde-se, ainda não conhece o seu passivo porque ainda nem uma auditoria de jeito às contas conseguiu fazer em nove meses de mandato, resolveu encetar a chamada “fuga para a frente” e decidiu adjudicar a construção da pista de remo. Pormenor: não sabe como é que vai conseguir pagá-la. Aos cidadãos que assim actuam com o seu próprio património, calha-lhes uma sanção. Deixam de poder passar cheques, vêem o seu património penhorado, consoante os casos e para não ser exaustivo nas consequências. Aos decisores públicos que o fazem, nada sucede, visto que a girândola do voto os absolve periodicamente e a responsabilidade financeira que é suposto o Tribunal de Contas efectivar, é, as mais das vezes, um romantismo nas sebentas de Finanças Públicas.

Está certo: este é o tradicional método português de afundar metódica e alegremente o país em dívidas. Está certo: o Estado tem feito e continua a fazer o mesmo (ver Ota e TGV). Mas era de supor que tínhamos aprendido alguma coisa. Lamentavelmente, não se aprendeu. Nem no Governo, onde a despesa pública não há meio de baixar, nem nas autarquias. Continua a imperar a máxima ruinosa e falimentar “faz-se primeiro e quem vier depois que pague”.E assim temos andado a gozar literalmente com os contribuintes e a insultar a inteligência do povo.

“O que mina o poder local é a sua dependência directa de Lisboa. Ao não poderem cobrar os impostos directos, os autarcas não têm de prestar, aos seus eleitores, contas dos custos das suas políticas. Tão só de negociar as receitas com o poder central. O resultado é a desresponsabilização das autarquias. Se apenas apresentam obra, nunca pedem sacrifícios. Pelo contrário, o custo do que constroem é diluído nos impostos pagos por todos, principalmente por aqueles que nunca irão saber como foi aplicado o seu dinheiro. Ao receberem as receitas directamente do Estado central e não dos seus habitantes, os municípios são financiados pelos cidadãos do todo o país que não podem penalizar o mau uso do seu dinheiro por um autarca de outro município. Ou seja, um habitante de Faro, não penaliza Fátima Felgueiras pelo uso indevido dos dinheiros públicos. Está legitimado o regabofe. Qualquer autarca vai querer tirar aos outros o máximo que puder. É esta dependência de Lisboa que conduz a que os municípios se digladiem por uns míseros euros. “ (André Abrantes do Amaral, revista Dia D, de 4 de Julho, editada com o Público).

Esta é, certeiramente diagnosticada, a verdadeira raiz do mal. Os autarcas só gastam, não têm a responsabilidade de cobrar os impostos necessários para custear as suas despesas. O vago, difuso, centralista e irresponsável Estado tudo paga. Ou seja, todos pagamos tudo. O que usamos e o que não usamos. Aquilo de que precisamos e aquilo de que não precisamos.

Exigia-se neste particular a Élio Maia, autarca credível e sensato, que tivesse tido a coragem de deitar alguma lucidez no caldeirão da irresponsabilidade em que se transformaram as autarquias. Parece que não foi capaz. Mais uma vez o PEM foi ensanduichado entre as máquinas partidárias que o acompanham como uma tenaz e que, na prática, são tão socialistas como os socialistas nominais que saíram da Câmara de Aveiro não há muito tempo.

Não deixa, aliás, de ter alguma graça, ver o PS na Assembleia Municipal, bradar contra a agência municipal de empregos clientelares que é a EMA, cujo passivo é astronómico e que foi o PS que criou e transformou naquilo que ela é hoje. Apenas mudaram os nomes dos empregados e, é claro, os partidos de recrutamento. De que é que estão à espera para extinguir a EMA e as restantes empresas municipais? Será da fantasmagórica auditoria financeira?...

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

1 comentário:

Migas (miguel araújo) disse...

Caro Jorge Ferreira
Não há aqui algo de contraditório?!
Então não se pode assumir (do ponto de vista finaceiro)a Pista do Novo Rio do Principe e pode-se assumir um encargo duplicado de ter dois estádios, só por questões históricas?!
Cumprimentos