segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Vida De Rico

A pré-campanha autárquica anda muito desinteressante. Discutem-se processos judiciais nuns casos. Fazem-se números de circo infelizmente habituais e que à força da repetição se tornaram progressivamente ineficazes, noutros casos.

Aveiro, neste particular, continua na vanguarda. Desta feita, um candidato a uma Câmara decidiu ir fazer campanha para o concelho do lado. É uma originalidade. O problema é que esta campanha parece uma célebre tese de doutoramento apresentada no século passado na Faculdade de Direito de Lisboa e que mereceu o seguinte comentário do arguente: “A sua tese (dirigindo-se ao doutorando) tem coisas boas e coisas originais. O problema é que as coisas boas não são originais e as originais não são boas”.

Com a devida licença dos esforçados candidatos em campanha, parece-me bem mais importante falar do problema dos manuais escolares. Cem euros cem, foi quanto tive de desembolsar para adquirir os manuais para o 6º ano de escolaridade e porque dois dos livros abrangem o 5º e o 6º anos.

Quando me apresentei ao balcão de livraria apenas pretendia encomendar. Quando o livreiro me respondeu que tinha todos acrescentou: “Mas posso guardá-los se não veio preparado”. Esta frase corresponde à forma antiga e educada de prevenir a falta de dinheiro no bolso para a despesa. Estranhei. Mas arrisquei: “Não, muito obrigado, levo-os já a todos.” Finalmente percebi: “São cento e três euros!”. De facto, não é toda a gente que pode ter o luxo de andar com vinte contos no bolso.

Uma torrente de interrogações assolou-me subitamente o espírito: por que razão os manuais escolares têm de mudar todos os anos? Por que razão são tão caros? Por que razão o frouxo ministério da Educação não tem a lembrança humilde de pôr mão neste assunto? Como é que uma família de desempregados ou que viva com o ordenado mínimo ou, ainda que viva com ordenados baixos consegue suportar este abuso? Deixa de comer? Deixa de se vestir ou de se calçar?

Não. A resposta é outra. Os portugueses têm vergonha colectiva da modéstia de recursos. Os políticos não mandam no Governo. Os interesses sectoriais sobrepõem-se ao interesse geral. Numa palavra, gostamos de fazer figura de ricos tendo pouco que comer em casa.

Já agora uma pequena sugestão: tive o cuidado de me informar de que não é necessária autorização da burrocracia ministerial para que as escolas organizem bazares de livros para que quem deles já não necessita os possa pôr ao serviço de quem não os pode comprar novinhos em folha.

Bem sei: as editoras tentam impedi-lo “obrigando” os estudantes a inutilizar os livros através da resolução de exercícios nos próprios livros. É uma perversidade comercial de natureza anti-social. Mas os senhores professores sempre podem adoptar a técnica de usar os velhos cadernos, bem mais baratos e socialmente úteis…

(publicado na edição do Diário de Aveiro de 09.09.2005)

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