sexta-feira, maio 08, 2009

O PARADOXO DO VAZIO

Um navio português aprisionou uma resma de piratas da Somália que se preparavam para atacar mais um navio que passava por aquelas águas, mas teve de os libertar. Porquê? Porque em Portugal e estamos em Portugal no navio, o Código Penal não prevê o crime de pirataria. E lá foram os somalis embora, prontos para outra. Há um vazio legal. Em Portugal, os piratas não são criminosos, embora haja muito “pirata” à solta por aí…

Por outro lado, se as autoridades de saúde portuguesas quiserem impor o recurso à quarentena compulsiva, uma medida excepcional que se pode justificar em determinados casos, como a contenção de um surto de gripe pandémica, também não o poderão fazer. Porquê? Porque há um vazio legal e a lei não o permite.

Encontra-se actualmente pendente na Assembleia da República uma iniciativa legislativa no sentido de passar a prever esta esta possibilidade, mas a discussão do projecto na generalidade está prevista para o próximo dia 14 e ainda não há data para a sua votação, nem para a sua entrada em vigor. O diploma que ainda regula a prevenção e o controlo de riscos na saúde pública é velhinha de 60 anos, é a Lei n.º 2036, de 1949. Legislar rápido e cirurgicamente os partidos só fazem em proveito próprio, por exemplo quando se trata do seu próprio financiamento… Aí, sim, a pesada máquina parlamentar funciona à séria e a sério! Para tudo o resto, há sempre tempo…

Actualmente, existem situações em que é necessário recorrer a algumas disposições da Lei de Saúde Mental e do decreto-lei relativo à lepra para contornar a impossibilidade de internamento compulsivo no caso de doenças infecto-contagiosas. Foi isso que já aconteceu no caso de um doente que sofria de tuberculose pulmonar e se recusava a tratar-se, correndo-se o perigo de contagiar terceiros. O doente não era louco nem padecia de anomalia psíquica, mas esta foi a única maneira de evitar contágios. O Tribunal da Relação do Porto veio a determinar o internamento do doente, em Junho de 2002, depois de a primeira instância o ter recusado quase dois anos antes.

A quarentena compulsiva tem, contudo, uma abrangência diferente já que as pessoas em causa podem nem sequer estar doentes.

O Estado que nos tempos que passam (embora passem muito devagar…) mete o bedelho em tudo, regula tudo e todos, do tabaco ao sal no pão, esquece-se de legislar o essencial. Temos leis para tudo para o nosso dia-a-dia. Para o cigarrinho, para o charrinho, para o pãozinho. Para as situações excepcionais, quando se espera do Estado que tenha tido a clarividência de ter preparado as coisas a tempo e horas, verificamos, afinal, que o Estado falhou. De tão preocupado em meter-se em tudo, esquece-se do essencial.

(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

Sem comentários: