sexta-feira, novembro 07, 2008

O ABSURDO ELEVADO À CATEGORIA DA POLÍTICA


Há muito que defendo a extinção das empresas municipais. Considero-as exemplos de clientelismo, de despesismo, muitas vezes de corrupção, frequentemente meios de encobrimento de dívida pública municipal, muitas vezes empresas fantasma sem actividade. Elas só existem para satisfazer interesses vários, que não os interesses da comunidade. O expoente desta realidade negra conheceu-se há pouco tempo com o caso da Gebalis em Lisboa, que viu três administradores serem acusados pelo Ministério Público de crimes diversos. Por junto, parece, segundo se lê no despacho de acusação, que os referidos administradores viviam em grande parte à conta dos cofres da empresa, a qual chegou a financiar, entre muitos outros bens, como os clássicos almoços, jantares e viagens, O Grande Livro do Bebé. Neste caso, a Justiça dirá.

Sabe-se como a imaginação humana é prodigiosa. Capaz de conduzir a vida social até aos limites do absurdo. Nos últimos tempos temos assistido, deixando agora de lado a criminalidade eventualmente associada a este tipo de empresas, a uma nova espécie de empresas municipais. Aquelas que se transformam em intermediários entre as Câmaras Municipais que as criam e empresas privadas que prestam exactamente os mesmos serviços para as quais essas empresas municipais foram criadas. Assim como uma espécie de comerciantes de luxo com orçamento garantido pelos eleitores.

Um exemplo desta nova realidade pode encontrar-se em Lisboa: a EMEL. A EMEL foi criada pela Câmara Municipal de Lisboa para tratar do estacionamento em Lisboa. A realidade revelou que a empresa era absolutamente inepta para o fazer. Não regulava, não fiscalizava, não garantia sequer a manutenção dos parquímetros. Então o que fez a EMEL? Contratou uma empresa privada para fazer aquilo que era a EMEL que devia fazer. Evidentemente essa empresa privada mostrou rapidamente ser mais eficiente do que a própria EMEL para regular o estacionamento em Lisboa. Aqui chegados, perguntará obviamente o leitor: então para que é preciso ter a EMEL? Pergunta bem: para nada. O vereador do pelouro podia perfeitamente tratar directamente com essa empresa privada poupando milhões de euros de despesa à CML. Esta solução tem, porém, um senão: onde empregar os trambolhos dos partidos que ocupam os cargos e os quadros da EMEL? Pois. Seria uma maçada aumentar dessa forma o tal desemprego que Sócrates prometeu baixar, mas apenas conseguiu aumentar.

Parece que mais um exemplo deste novo tipo de empresas municipais vem a caminho: a MoveAveiro.

O vereador do pelouro da Câmara Municipal de Aveiro revelou esta semana que as deficiências verificadas nos transportes públicos municipais de Aveiro deverão ser corrigidas através do recurso a serviços prestados por…, pasmem-se!, empresas privadas. Para cúmulo, o mesmo vereador é justamente o Presidente do Conselho de Administração da MoveAveiro, a empresa municipal de transportes.

É justamente esse político/gestor que reconhece que a empresa que gere presta um mau serviço. É justamente esse político/gestor que reconhece a incapacidade da sua empresa para prestar o serviço para que foi criada. É justamente o político/gestor que planeia, com indiscutíveis rasgo e brilhantismo socialistas, resolver o problema recorrendo a operadores privados. Isto é, é justamente o político/gestor que, desta forma, está a dizer aos munícipes que o melhor mesmo é a Câmara Municipal negociar a prestação do serviço com empresas privadas, extinguindo a empresa municipal e poupando rios de dinheiro. Mas não, isso jamais poderá suceder.

O problema é que o sistema está num ponto tal de esquizofrenia que são as pessoas mais improváveis que exibem, de forma aparentemente inconsciente, o absurdo a que o sistema chegou. O absurdo é colocar os cidadãos contribuintes a pagar três vezes o mesmo serviço: pagam vereador, pagam a esbanjadora empresa municipal e agora ainda vão pagar por cima disto tudo o operador privado!

Não há quem tenha mão neste desvario…



(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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