terça-feira, outubro 21, 2008

TORGA EM AVEIRO (3)


"Costa Nova, 19 de Agosto de 1944 - Vou de barco, a ler a descrição de Eugénio de Castro. Um companheiro, ao lado, explica a outros o açoreamento da Ria, e eu, na carta, sigo o assoreamento das consciencias. A água está calma, o barco segue de vela enfunada, e as Gafanhas, iluminadas por uma luz que parece só as querer a elas, são uma longa fila alegre de suor lavado.
- Resta-me a consolação de que por mais abandonado que isso seja, durante a minha vida não secará - geme o meu amigo, que é escultor e gaivota daqui, apaixonada e branca.
- Valeu a esta desgraça a voz ocasional doutro Poeta, que disse uma palvra ao morto, a mostrar-lhe a paisagem que duas janelas do depósito deixavam ver ao longe - informa a missiva.
E com a magra certeza de que nem a Ria seca por nestes cinquenta anos, nem os montes faltarão nunca ao enterro de quem os canta, o barco virou de rumo e tristemente regressou ao cais."
(Diários, Vols. III e IV)

Sem comentários: