sexta-feira, março 16, 2007

PATRIMÓNIO AO ABANDONO

(A casa de Verdemilho)

A ilustre casa dos Queirós, onde Eça passou a infância, arruína-se em Verdemilho, à vista da Universidade de Aveiro, próxima de interesses imobiliários e longe das "cortes" da Cultura com acesso a fundos comunitários.

A quinta da Torre, assim se designa a propriedade que pertenceu ao conselheiro Joaquim Queirós, avô de Eça (em "Os Maias" o velho liberal Afonso da Maia, segundo alguns autores como Ramos de Almeida e Vianna Moog), confina hoje com a EN109, a pouca distância da Universidade, numa zona cada vez mais urbana. Jorge Campos Henriques, ao escrever sobre as raízes de Eça, conclui que o solar é a "Ilustre Casa de Ramires", observando que o escritor, "curiosamente, deu ao solar de Gonçalo Ramires o nome de A Torre, precisamente o da quinta do solar de seus avós, em Verdemilho".

A Câmara de Aveiro acalenta há vários anos o desejo de o transformar num centro de estudos de Eça de Queirós, para o que possui um projecto, elaborado pela arquitecta Emília Lima, que nunca foi concretizado. Prevê para o local um museu, uma sala de exposições, sala de leitura e um auditório, além de outras áreas de apoio, preservando a fachada. Diferentes são as preocupações dos proprietários, um deles ligado à construção civil e outro imigrado na Venezuela, que têm em vista urbanizar a quinta, às portas da cidade.

Capão Filipe, vereador da Cultura, reafirma o interesse em preservar e requalificar a casa, mas fala numa ruptura de relações entre a autarquia e os donos, no anterior mandato. "As relações entre os donos do imóvel e o Município estavam fechadas e há necessidade de iniciar negociações com os actuais proprietários. Pretendemos também iniciar contactos com a administração central para encontrar parcerias que permitam a recuperação", disse à Lusa.

O ex-presidente da Câmara, Alberto Souto, nega que tenha havido qualquer corte de relações e disse à Lusa que chegou a haver até um princípio de acordo. "O que estava em causa era o número de pisos permitido e chegou-se a um entendimento, pelo qual reverteriam para a Câmara de Aveiro, a custo zero, as áreas necessárias. Não chegou a concretizar- se porque a entrega da casa à Câmara estava dependente do loteamento, com o qual os proprietários não chegaram a avançar", relata. O solar da Torre foi adquirido pelo conselheiro Joaquim José de Queirós a 05 de Novembro de 1822, após o seu regresso do Brasil, na comitiva de D. João VI.

Liberal convicto, o avô de Eça organizou a insurreição de 16 de Maio de 1828 do Porto contra D. Miguel e foi condenado à morte, tendo-se exilado em França e em Inglaterra. Durante o exílio, o solar de Verdemilho foi "alvo de devassas e confisco de bens". A vitória dos liberais trouxe-o de novo a Portugal e à ribalta política, onde foi deputado e ministro da Justiça, mas acabou por se retirar para Verdemilho, desiludido da política, tal como Afonso da Maia em "Os Maias", para se dedicar à educação do neto.

Ali passou Eça de Queirós a infância, após ter morrido a ama Ana Leal de Barros, a quem ficou entregue em Vila do Conde, uma antiga criada brasileira da casa da família Pizarro, que possuía a quinta da Senhora das Dores em Verdemilho, a poucos metros do solar da Torre dos Queirós. Com a morte da ama, Eça veio para Verdemilho, entregue aos cuidados da sua avó paterna, Teodora Joaquina, que, em testamento, deixou ao pai do escritor um legado "para a sua completa educação". Foi em Verdemilho que Eça aprendeu a escrever as primeiras letras com o padre António Gonçalves Bartolomeu, que anos depois foi assistir à sua formatura na Universidade de Coimbra. Fruto das partilhas, o solar ficou para o pai de Eça de Queirós em usufruto, cabendo a propriedade a todos os netos de D. Teodora, o que dificultou a sua conservação.

O escritor visitou algumas vezes a casa, depois das partilhas feitas e quando esta já estava em degradação: em 1880, na companhia do poeta Coelho de Carvalho, três anos mais tarde acompanhado de Guerra Junqueiro e possivelmente noutras ocasiões, aproveitando as suas estadas frequentes na praia da Costa Nova. A casa acabou por ir à praça em 1904, pelo melhor lanço oferecido, sendo arrematada por João Santos Capela, e conheceu várias utilizações.

Serviu de casa de espectáculos a um grupo teatral da localidade e, acrescentada de mais um piso, albergou uma pequena actividade industrial, tendo o brasão da família sido salvo por Acácio Rosa, que o doou ao Museu de Aveiro.
Fonte: Lusa

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