terça-feira, fevereiro 07, 2006

A Dúvida Da Dívida

Portugal tem vivido nos últimos anos acima do que pode e, sobretudo, do que não produz. Aumentaram as pontes, as férias, as faltas. Aumentou também o crédito para sustentar a doce ilusão do presente à custa do futuro. Para a casa, para as férias, para o computador, para a televisão, para a o ar condicionado, para os estudos, para a vida toda.

Um dia isto tinha de estourar. E como o Estado fez o mesmo, os cidadãos devem duas vezes. Devem o que contrataram directamente e o que o Estado contratou em nome de todos.

À medida que o número de telemóveis em circulação ia aumentando o guterrismo, em vez de colher na fartura para prevenir a seca, ia enganando o país com orçamentos desabridos e expansionistas. Este indíce de bem estar electrónico da população deslumbrada pelos toques e pelos sms foi mesmo brandido pelo então Ministro das Finanças Sousa Franco num debate orçamental na Assembleia da República como prova de prosperidade e de desenvolvimento da sociedade e de tranquilidade financeira do Estado.

Olhando para os exemplos que vinham de cima as autarquias seguiram os mesmos passos e o mau exemplo. Decidiram gastar mais do que podiam, confiantes de que a torneira jamais se fecharia “aos legítimos anseios das populações”. Entraram num regabofe financeiro que revelou exactamente a mesma dose de irresponsabilidade política que pressentiam no Governo.

Esta semana soube-se que em Santarém, logo após as eleições de Outubro, o novo executivo municipal decidiu pedir uma auditoria às contas do município. O resultado chegou agora e revelou uma dívida de 70 milhões de euros, dos quais 45 milhões exigíveis a curto prazo. Apurou-se entretanto que 144 obras efectuadas sob a responsabilidade municipal derraparam e custaram muito mais do que o previsto.

Santarém deu um excelente exemplo, que devia ser seguido noutras autarquias, designadamente em Aveiro. Assim, fica tudo claro e não há álibis. Só assim não fará quem estiver interessado não em resolver o problema mas em usar o problema para esconder outros problemas.

Esta semana a NovaDemocracia foi recebida pelo Presidente do tribunal de Contas para tratar justamente da despesa oculta feita por interpostas empresas municipais pelas Câmaras Municipais. Verificámos com agrado que é objectivo determinado de Guilherme d’Oliveira Martins dar combate firme aos gastos públicos e desencadear mecanismos a aperfeiçoar na Lei no sentido de efectivar a responsabilidade financeira de quem gasta mal o dinheiro de todos.

É que mesmo quando o Tribunal actua, a culpa continua a morrer solteira. Com o argumento do “não foi para mim mas sim para enriquecer o património público” fazem-se os maiores disparates, gasta-se nos mais tresloucados bens e cometem-se verdadeiros atentados ao interesse público não só de não fazer apropriação individual mas sobretudo no de gastar parcimoniosamente o que é de todos.

Tenhamos esperança que em Aveiro exista neste momento sentido da responsabilidade e que no tribunal de contas haja capacidade para fazer o que o seu Presidente afirma querer fazer.

(publicado na edição de 16.12.2005 do Diário de Aveiro)

Sem comentários: